Desde o início da presidência do ex-agente de serviços secretos, Vladimir Putin, a Rússia figura diversas polêmicas englobadas pela mídia mundial. Suscitadas pelas políticas controversas do presidente que, segundo muitos alegam, são permeadas por uma belicosa autocracia, essas polêmicas adquiriram um caráter sério e pernicioso ao esbarrar em um dos principais escopos das relações diplomáticas (ou não) entre os mais diversos países: a afronta aos direitos humanos.
No ano de 2012, acompanhamos o caso da banda punk feminina “Pussy Riot” que teve algumas de suas integrantes presas após uma intervenção artística em frente a uma Igreja Ortodoxa russa. O Parlamento Russo, a essa época, tinha adotado leis novas e extremamente severas visando o ativismo, em sua forma geral, e àqueles que criticam as autoridades. Durante o processo das integrantes, houve a manifestação de diversas Anistias, que clamavam que as atitudes do país estariam abnegando suas obrigações internacionais para com os direitos humanos.
Em decorrência do caso (e das consequentes manifestações “anti-Putin” advindas deste), a resposta do presidente foi ainda controversa: aqueles que ofendessem religiosos ou princípios religiosos, poderiam ser submetidos à custódia e a fianças. Paralela a leis que podem enquadrar blasfêmia como crime passível de uma punição com 3 anos em regime fechado e fianças que chegam a 15.000 dólares, vemos com Putin novas demonstrações de afeto e saudade da Idade Média: leis severas que ofendem e ferem os homossexuais.
De acordo com o NY Times, no dia 3 de Julho, Putin assinou uma lei que bania a adoção de crianças nascidas na Rússia não apenas para casais gays, mas também para qualquer casal ou pai/mãe solteir@ que vivesse em qualquer país onde seja possível casamento ou união entre pessoas do mesmo sexo. Poucos dias depois, e seis meses antes da Rússia sediar os Jogos de Inverno de 2014, Putin assinou outra lei que permitia que as autoridades policiais prendessem turistas e estrangeiros que suspeitassem (e sabemos que suspeitas são passíveis de total arbitrariedade) que fossem gays, lésbicas ou “pro-gays” – sim, apenas pró-gays-, e o mantivessem detidos por 14 dias.
Em Junho, Vladimir Putin já havia assinado o projeto de lei que muitos consideram ter dado definitivamente margem e liberdade para a homofobia imperar na Rússia: a lei “anti-propaganda gay”. A lei anti-propaganda estabelece fiança acima de 200 dólares para os cidadãos que disseminarem informações que façam “propaganda de relações sexuais não-tradicionais diante de menores” ou que possam causar um “entendimento distorcido” de que relações homossexuais e heterossexuais seriam “socialmente equivalentes”.
Na prática, Paradas LGBTs, marchas, festivais, pôsteres, revistas, livros, filmes, avisos de saúde e educação sexual direcionados a esse assunto, entre outros, seriam passíveis de acusação criminal, assim como qualquer indivíduo que se identificasse como gay em público.
Qualquer professor que dissesse a estudantes que a homossexualidade não é ruim ou que deve ser respeitada; qualquer pai que dissesse aos seus filhos que a homossexualidade é normal; qualquer pessoa que fizesse afirmações “pró-gays” que poderiam ser acessadas por menores; poderiam ser criminalmente acusados. A lei pode ocasionar a remoção e banimento de livros, filmes e peças com personagens LGBTs de livrarias, galerias, teatros e cinemas, incluindo obras clássicas da arte e da literatura. Enquadrando como crime a expressão e manifestação da identidade homossexual, o presidente Putin abriu espaço para ampla discriminação no meio social: os quadros de violência (incluindo abusos e assassinatos) contra homossexuais têm aumentado.
Pensando nesse quadro, a fotógrafa Anastasia Ivanova viajou para a Rússia a fim de conhecer e saber como vivem os casais lésbicos imersos nesse ambiente hostil às suas identidades; criando o projeto “From Russia With Love” (“Da Rússia, com amor”), que registra a simplicidade de casais cuja união é quase fora da lei.
Olgerta, 54 e Lisa, 48
Quando nos apaixonamos, ambas éramos de idades “respeitáveis”. Nós duas pensávamos que uma história tão bonita e romântica nunca aconteceria conosco, mas depois de nos conhecermos em 2008 e trocarmos cartas todos os dias, rapidamente percebemos que não poderíamos nos separar.
Temos sido ativistas por quase 15 anos. Muitas coisas conquistadas na Rússia no curso do século passado foram aniquiladas nesses últimos dois anos. E não tem melhorado. Várias pessoas LGBT são demitidas de seus trabalhos. São presas nos protestos, jogadas na cadeia, surradas, assassinadas, e temem até mesmo perder seus filhos por afirmarem que ver pessoas gays irá prejudicar sua saúde e desenvolvimento mental.
Temos sido ativistas por quase 15 anos. Muitas coisas conquistadas na Rússia no curso do século passado foram aniquiladas nesses últimos dois anos. E não tem melhorado. Várias pessoas LGBT são demitidas de seus trabalhos. São presas nos protestos, jogadas na cadeia, surradas, assassinadas, e temem até mesmo perder seus filhos por afirmarem que ver pessoas gays irá prejudicar sua saúde e desenvolvimento mental.
(…) Nosso futuro é simples. Precisamos partir.
Irina, 27 e Antonina, 31
“Nós somos muito modestas em público. Nunca beijaríamos apaixonadamente em frente de outras pessoas, e também não o faríamos se fossemos um casal heterossexual. Há algo muito pessoal em demonstrar afeição.
Gays não têm direitos legais na Rússia. Com as novas leis, nossos relacionamentos estão em algum lugar entre legais e ilegais. É tudo muito triste.
No futuro, tudo o que queremos é manter junta nossa pequena família. Talvez, se tivermos sorte, um dia teremos um filho.
Victoria, 24 e Dasha, 27
“Fora de casa, sempre damos as mãos e nos beijamos na bochecha. Às vezes percebemos olhares e uma vez tivemos uma experiência ruim, na qual alguém jogou uma pedra enquanto andávamos pelo parque de mãos dadas.
Aqui, a sociedade tem uma atitude agressiva diante da homossexualidade. É em grande parte por causa do governo, que encoraja a homofobia e faz com que as pessoas LGBT fiquem vulneráveis. A lei absurda sobre ‘propaganda gay e transgênera’ essencialmente legalizou a discriminação.
Hoje em dia, adoramos viver em São Petersburgo, mas entendemos que pessoas como nós não podem ter uma vida tranquila aqui. Um dia queremos ter um Jack Russel terrir. Mas no momento, só queremos a simples felicidade humana.”
Olga, 32 e Ulia, 28
Nos conhecemos através de amigos em comum, mas não de uma forma usual. Ulia costumava viajar de São Petersburgo para Moscou em viagens de negócios, e em uma delas acabou perdendo o celular. Sozinha no hotel, sem seus contatos, pediu que uma amiga a achasse uma companhia para a tarde. A pessoa que chegou foi Olga.
No começo foi estranho porque não nos conhecíamos muito bem, mas com a chegada da noite nossas conversas tornaram-se mais profundas. Ulia voltou para São Petersburgo na manhã seguinte, mas mantivemos contato e passamos meses viajando entre as duas cidades. Recentemente, Ulia deixou seu emprego e se mudou para Moscou.
Embora a gente se sinta mais livre na cidade, só demonstramos afeição quando temos certeza de que as pessoas ao nosso redor são tolerantes. Não há direitos para os gays na Rússia.
Por enquanto, só queremos ir embora.
Kate, 29 e Nina, 32
A tragédia nos uniu.
Kate estava celebrando o aniversário de uma amiga em um barco quando ele colidiu com outro. 9 dentre as 16 pessoas a bordo morreram, mas Kate sobreviveu e Nina estava entre os que apareceram na cena. Passaram 5 meses até que percebêssemos que estávamos apaixonadas e queríamos ficar juntas. Em público, tentamos não esconder nossos sentimentos, e somos bastante determinadas quanto a segurar as mãos e nos beijar livremente, mas as situações dos direitos gays na Rússia não terminarão bem. O modo como vivemos nos torna foras-da-lei.
Katerina, 20 e Zhanna, 25
Faz dois anos desde que nos conhecemos. Nossos caminhos se cruzaram pela primeira vez em um festival em São Petersburgo, onde Zhanna estava voluntariando. Nós conversamos e trocamos telefone, antes de irmos para nosso primeiro encontro – no qual Zhanna disse que nunca me deixaria. Ela não o fez e hoje ainda somos muito felizes juntas.
As pessoas tendem a olhar para nós com uma mistura de surpresa e desaprovação quando demonstramos afeto em público. Às vezes podemos ouvi-las dizendo sobre Zhanna: “Aquilo é um menino?”.
A situação dos direitos humanos na Rússia parece que tende a piorar com o tempo. Nós gostamos de acreditar que um dia o país será livre e feliz, mas na realidade as políticas que nosso governo está tentando implementar não parecem ser do tipo que guiam para um futuro positivo.
Eventualmente, nosso plano é deixar o país e mudar para a Europa. Dessa forma, podemos viver nossas vidas plenamente, sem precisar nos esconder.
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